Omo sexualis
Há uma nítida linha de continuidade entre este trejeito mental e a primeira encíclica com que o santo padre nos brindou – Christo caritas est. Trata-se do regresso à velha doutrina da estigmatização do relacionamento não reprodutivo e que não desemboca na forma típica da família cristã – que se resume aos papás e mamãs, prole rija e saudável e em quantidade apreciável, com os vovós no natal a comer filhozes e a cuspir o pai nosso na noite do galo. Por outro lado, retornou-se ao anacrónico mito da homossexualidade como uma degenerescência, uma patologia de ordem física –já nem sequer de ordem mental – ideia para qual os biólogos têm contribuído avidamente nas suas últimas incursões no campo da sexualidade. E aqui chegamos à quadratura do círculo. Não por acaso o argumento começa invocando a teoria evolutiva – cientificamente robusta e aceite por grande parte da sociedade...com a excepção dos grupos religiosos. Mas aqui vem a inversão, porventura subconsciente (ainda há espaço para estes termos?). A versão científica está para a aberração assim como a verdadeira (no sentido de alicerçada numa teoria fundacionista) família está para a homossexualidade. Ambas se provam pela espécie de cunho de verdade que é impresso quer à versão científica quer à verdadeira família. Desta forma sai reforçada, pseudo-cientificamente, a premissa de que a homossexualidade é uma aberração.
Um outro aspecto prende-se com a própria noção do que é legítimo impor à sociedade e o que não é. Novamente temos o argumento a assumir contornos de aberração. É legítimo impor um tipo de família ideal, não é legítimo impor preceitos para defender os homossexuais. Contudo, poder-se-ia contra-argumentar que isto só afecta os homossexuais e como tal estão em paridade com os criacionistas. Se os últimos podem pregar o que lhes dá na veneta desde que não interfiram na vida dos outros, por que razão não podem os primeiros ser assistidos nos seus direitos, os quais, efectivamente, não interferem na vida do resto da comunidade? Afinal tem a ver com a esfera dos direitos dos homossexuais e não com um preceito geral que abarcasse toda a sociedade. Não se prescreve nenhuma imposição que recaia sobre a família tradicional, por isso nenhuma interferência entre as duas esferas de direitos. Se alguma coisa existe é uma extensão de direitos da família.
E se o problema é fazer filhos quem deveria ser chamado ao cumprimento da obrigação seriam os heterossexuais (eu ando a tentar, mas sem sucesso até agora). Afinal polular o mundo com crianças é basicamente o trabalho dos heterossexuais (se assim o entenderem, claro). O santo padre tem vindo a fazer um esforço nesse sentido e a virgem que se ponha a fancos para não deixar escorregar o sabonete no poliban (ai que heresia!). Os cardeais recentemente experimentaram a masturbação colectiva para dentro do cálice num esforço de tentar a inseminação artificial com algum santo mais catita. Por isso a igreja tem sido a primeira a fornecer sólidos exemplos de como se cria a base da sociedade.
Em resumo, esta linha de raciocínio é de tal forma destituída de sentido que só nos podemos perguntar se CN está a tentar ganhar a salvação eterna fazendo jus à velha máxima cristã: felizes os pobres de espírito pois deles é o reino dos céus.