O mundo plano

Ciência, política, cinema, economia, poesia... "A Romance of many dimensions"

quinta-feira, janeiro 12, 2006

A queda de um anjo


Leio no El País que Soares iniciou um ataque cerrado aos media e aos agentes do “capitalismo selvagem”. Dando de barato que eventualmente se refere aos mesmos “capitalistas selvagens” que defendeu com tanto denodo e competência durante muitos e bons anos, pergunto-me o que anunciará esta reacção? (Desculpa Filipe, mas não vale a pena tapar o sol com a peneira). Julgo que esta reacção tem duas justificações – uma corresponde a uma armadilha, a outra tem a expressão do desespero. Atacar os media, sabê-mo-lo por experiência recente, tem o condão de consubstanciar uma certidão de óbito antecipada. Veja-se o que aconteceu a Santana Lopes –personalidade pela qual não nutro grande admiração – mas que serve de case study por ser o exemplo transparente de como hostilizar os media é deveras arriscado. Não que Soares não tenha razão. Com efeito, foi desde o início desta contenda prejudicado e secundarizado em relação ao seu mais directo adversário. Todavia, mostrar que não se tem o apoio dos media equivale a confessar que se está a decair nos índices de popularidade. Sendo os media os verdadeiros fazedores de popularidade nos tempos que correm, isto é antes de mais interpretado como um acto de contrição – o último estrebuchar do peixe antes de expirar fora de água.
A segunda justificação é mais especiosa. Poder-se-á dizer que está de acordo com as últimas intervenções de Soares, com o estilo que tem vindo a assumir enquanto crítico da globalização selvagem e da economia de casino. Mas –corrijam-me se estiver enganado- não me recordo de ouvir Soares verberar os banqueiros portugueses ou estigmatizá-los como se fossem os cães de fila da direita conservadora (embora o sejam, obviamente). Daí que me pareça que Soares está a tentar uma blitzkrieg sobre o eleitorado da esquerda. É óbvio que ele começa a sentir que a corrida o está a cansar demasiado e que o eleitorado do centro lhe escorrega das mãos como grãos de areia.
A triste ironia é que tudo se encaminha para que Soares saia pela porta pequena enquanto Cavaco recuperou a possibilidade de sair pela grande. É claro que a estratégia desesperada de Soares indicia que já só lhe interessa não ficar atrás de Alegre. O mais rude golpe que lhe poderia ser desferido no final da sua carreira política.