O mundo plano

Ciência, política, cinema, economia, poesia... "A Romance of many dimensions"

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Nação crioula


Um influente sociólogo da nossa praça tem vindo a comentar as novas políticas de imigração. Por outra lado, tem vindo a introduzir a noção de "nação crioula" –confesso que tenho dificuldade em perceber se esta se aplica a Portugal ou não-, na reflexão sobre os diversos e potenciais modelos de integração dos imigrantes. E tem principalmente escorado os seus argumentos num entendimento cosmopolita da esfera do político.
Houve em tempos uma sôfrega investida pela ideia do imigrante enquanto força criadora de recursos, a famosa empresarialidade imigrante. Aqui o imigrante era moldado à imagem e semelhança do empresário shumpteriano revestindo-se o argumento de uma pátina celebratória que parecia querer conferir um lugar de excepcionalidade –uma diferentia specifica- ao imigrante empreendedor como forma de justificar a própria imigração. O peso ideológico do argumento é enorme, embora eu nunca tivesse visto nem sequer a fímbria de uma intenção crítica em relação a esta construção.
Reportando-nos à discussão recentemente lançada sobre o direito de voto dos imigrantes, mais do que saudar efusivamente uma proposta que restituiria, em princípio, aos imigrantes uma maior capacidade de influenciar os processos deliberativos, seria porventura pertinente questionarmo-nos sobre o que se fez em Portugal em termos de representação política dos próprios imigrantes. Julgo que muito pouco.
O problema é que em Portugal fica tudo assim –em banho-maria. Acontece que os tubarões que nadam nestas águas não querem perder os contratos chorudos que estabelecem com a administração central e sabem que é arriscado ser demasiado crítico porque isso pode significar perder o lugar na rede clientelar. Por isso mesmo dão uma no cravo e outra na ferradura. Usam termos impantes como "Nação crioula", mas são tíbios quando se trata de mostrar por que razão a “nação crioula” paira nos confins da utopia e tem dificuldade em assentar em bases mais concretas. Abusam do jargão e da figura de estilo, mas pouco nos dizem sobre o que realmente acontece. São relapsos na repetição do inconsequente mesmo que pelos os interstícios deste edifício caduco e rançoso se insinue o velho mito da excepcionalidade portuguesa. Afinal não são os retornados um exemplo de integração generosa e eficaz , exemplo esse a que se devem moldar as estratégias da "nação crioula"? O problema, justamente, é que se enverada pela assunção ad hoc da existência da "nação crioula" sem colocá-la perante o teste da realidade; e como este podemos acrescentar o “espírito humanista” –muito em voga- ou a “nação pluricultural".
A pergunta deve então ser a seguinte: em que medida corresponde Portugal ao modelo da nação crioula? Qual é a distância que nos separa deste catch-all concept? E como podemos nós alicerçar esta noção transcendente numa pragmática quotidiana? Há, com efeito, muito pouca reflexão sobre isto.