O erro da esquerda (2) ou porque é que eu não concordo com o Filipe ou a esperança é a última a morrer
O que dizes faz aparentemente todo o sentido. Todavia não tem em conta um factor latente que tem a capacidade de fazer pender a balança para Cavaco: o facto de Soares não ser oposição ao governo. As memórias que ressuscitas desses tempos nefastos também eu as consigo invocar com um bocado de esforço. Lembro-me que pairava no ar um autoritarismo insinuante; que certos ícones traziam reminiscências dos tempos do fascismo e da mocidade portuguesa, como o famoso sobretudo verde que era usado religiosamente pelos apoiantes de Freitas do Amaral; e pior do que isso havia a incómoda sensação de que algures nos bastidores de todo aquele mórbido carnaval se perpetrava uma vingança. O ódio à esquerda assumia-se com um gáudio e uma presteza que quem ousasse – dizes tu e muito bem – afirmar-se de esquerda era imediatamente arrolado numa sub-reptícia lista negra: era assim tanto nos liceus como nos empregos. Houve uma instigação, quase violenta, mas certamente carregada de ódio, de pais para filhos como se tivesse chegado a hora de resgatar qualquer coisa que lhes tivesse sido roubada. Só assim se pode compreender que miúdos do liceu andassem a escrever nas paredes “morte” aos colegas. Foram tempos estranhos.
Julgo que as condições actuais estão muito longe deste cenário de guerra civil latente que então se vivia. Mas o que me preocupa mais são sobretudo razões empíricas. Cavaco aparece nas últimas sondagens com 60% das intenções de voto. Os partidos da direita PSD e CDS-PP somaram em conjunto nas últimas eleições aproximadamente 36 %. Significa que Cavaco conseguiu enfileirar sensivelmente 24% do eleitorado repartido entre aqueles que se abstiveram e o que tinha votado em Sócrates . Este último é o eleitorado, digamos, do centro que se desloca pendularmente, ora para o PS ora para o PSD, penalizando geralmente o partido do governo. Para parte deste eleitorado – especulo- tanto faz ser Soares ou Cavaco; mas por isso mesmo é que ele é perigoso. O raciocínio é linear e pode traduzir-se em ditados populares como sejam “não pôr os ovos todos no mesmo cesto” ou “olho no burro outro no cigano”. Por isso é que eu não concordo quando o Pena Pires diz que Soares é o árbitro. Para este eleitorado o árbitro não pode pertencer à equipa que está a jogar e essa é actualmente o PS.
Quanto à necessidade da fragmentação da esquerda. Acho que os partidos apostaram nela como forma de fixar o eleitorado. Todavia, também aqui espreita um perigo: é que os números matam, fixam-se à pele como as braçadeiras dos judeus lhes marcavam a identidade no gueto de Varsóvia. Se Louçã ou Jerónimo ficarem muito aquém dos resultados obtidos pelos respectivos partidos em 2005 a derrota será tendencialmente personalizada – e os meios de comunicação são exímios em fazê-lo.
Pergunta-se a Alice se é possível esquecer. É, normalmente é o que acontece em situações traumáticas – sublima-se.
Quer isto dizer que não há nada a fazer? Não, como tu dizes há esperança que a coisa possa sofrer um volte-face e acho que sim, que todo o trabalho nesse sentido é meritório. Mas como dizia a Emily Dickinson “Hope is the thing with feathers”.
(prometo que os próximos posts vão ser mais pequenos)
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