O mundo plano

Ciência, política, cinema, economia, poesia... "A Romance of many dimensions"

terça-feira, outubro 25, 2005

The terror, the terror

Hoje e amanhã decorre na Fundação Calouste Gulbenkian uma conferência intitulada Terrorismo e as Relações Internacionais comissariada pelo filósofo Fernando Gil. Pelo texto que apareceu no jornal Público sobre o evento e pelo que Fernando Gil tem escrito sobre o assunto (veja-se o capítulo intitulado “Medos” do seu último livro Acentos), o terrorismo do título é o do fundamentalismo Islâmico. Em traços largos e correndo o risco de estar a abusar na simplificação, para Fernando Gil o terrorismo Islâmico contemporâneo é antes de mais motivado por ódio civilizacional e inveja. O que move os terroristas é o ódio à liberdade, à democracia e à prosperidade do ocidente, em resumo, à nossa maneira de viver. Nada de novo nesta posição, partilhada por liberais e conservadores e veiculada entre nós, por exemplo, por Pacheco Pereira.
Ora, Fernando Gil não se cansa de apregoar a sua desconfiança em relação a todas as formas de ideologia tanto em entrevistas, como em livros. Numa das suas acepções mais famosas entende-se por ideologia o conjunto de representações que fazem com que realidades sociais, que são históricas e portanto contingentes, apareçam como naturais ou necessárias, como fazendo parte do estado das coisas. São um meio poderoso de fazer aceitar desigualdades de poder e riqueza existentes, de as fazer parecer inevitáveis. E haverá hoje exemplo mais flagrante de ideologia entendida nesta acepção do que as explicações “culturalistas” e civilizacionais defendidas pelos conservadores? O que elas escondem é uma história de dominação colonial política e económica por parte das chamadas potências ocidentais. É isto que é preciso compreender, que o terrorismo é a resposta errada a uma pretensão justa. Seja também dito que respostas mais justas encontraram oposição feroz dos EUA e seus aliados. A esquerda não deve por isso ter vergonha de afirmar o seu combate às duas formas de niilismo dominante: o niilismo do capital e o niilismo do fundamentalismo religioso.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Para acabar de vez com o nuclear (dos outros)

Só os ingénuos podem pensar que a atribuição do Prémio Nobel da Paz à Agência Internacional da Energia Atómica e ao seu líder Mohamed ElBaradei irrita minimamente os Estados Unidos. Como se viu no caso Iraquiano, contra o poderio militar da superpotência, os pareceres da AIEA não têm a sombra de uma influência. Bem pelo contrário, nesta conjuntura, a atribuição vem juntar-se à pressão que os Estados Unidos e os seus lacaios fazem sobre o Irão e a Coreia do Norte e, de caminho, dar o seu pequeno contributo ideológico na guerra contra o terrorismo. Mas pior que os ingénuos, só aqueles, comentadores e políticos, que dizem que a maior ameaça nuclear neste momento não são as superpotências (leia-se os Estados Unidos), mas sim os países pequenos. Que a dita potência tenha sido a única a lançar bombas atómicas até agora não os faz pestanejar. Como também não os incomoda minimamente que o maior promotor de guerra a nível global nas últimas décadas tenha sido os EUA.
A AIEA presta assim um contributo inestimável à política imperial dos EUA, servindo de suporte ideológico ao objectivo de garantir, a nível global, o monopólio das armas de destruição maciça para os países ocidentais e seus aliados. Max Weber apontou como um dos principais aspectos da génese do moderno estado-nação a garantia, por parte dos estados, do monopólio do uso da violência legítima. Assistimos a um processo semelhante, em que só alguns, na ordem planetária, é que podem legitimamente constituir uma ameaça de destruição em massa.