O mundo plano

Ciência, política, cinema, economia, poesia... "A Romance of many dimensions"

quinta-feira, janeiro 05, 2006

O Mar segundo Banville



Esqueçam Philip Roth, o engodo que é Dellilo, o desinteressante que é Ballard e mesmo a chatice que é a nova revelação consagrada pelo “The Line of Beauty” chamada Hollinghurst. Melhor nem falar de Ian McEwan – bocejante – ou de Jonathan Franzen – esteriotipia e tiques. Fiquemos por dois nomes que são verdadeiramente os que interessam reter no panorama literário anglo-saxónico: Coetzee e Banville. Se Coetzee é, sem discussão, o melhor romancista vivo de língua inglesa, Banville é porventura o melhor prosador. E “O Mar” está aí para o provar. Não tenho nada de muito inteligente a dizer sobre o livro para além de ter gostado muito, mas muito de ter entrado por este mar adentro (how corny can you get?). Porém, o que realmente me espantou foi o pendor crítico de algumas críticas (a verdadeira cacofonia) que andei a desenterrar nas minhas andanças internáuticas.

As críticas a este propósito são descoroçoantes: lamentam a falta de argumento, acusam Banville de não saber criar acção e de construir mal os personagens, de ser absolutamemte solipsista e, pasme-se, de falhar completamente na criação de suspense (de suspense, imagine-se). Proust deve estar às voltas no túmulo com esta nova legião de críticos literários que se deleitam com um bom argumento de Robert Ludlum, com o suspense frenético de Crichton e sobretudo com a urdidura pseudo-científica de Dan Brown.

“Memory dislikes movement” diz a páginas tantas Max o personagem central de “O Mar”. Mas assim como Proust também Banville viaja para recuperar o real através da memória: “a realidade apenas toma forma através da memória” (ou qualquer coisa parecida) diz Proust na Recherche. Essa memória tem que ser invocada no seu estado fragmentário, mas sobretudo para Max ela só é apreensível na ligação contemplativa que se estabelece com as “coisas”. Em verdade, este estado revela uma condição transitória, um “estar” passageiro que identifica o momento da revelação (neste caso sexual) com o momento da finitude e religa os dois através de uma catarse provocada pelo desejo da morte. “Being here is just a way of not being anywhere” anuncia-nos Max salientando a própria contingência da sua vida. A vida só pode ser invocada fragmentariamente porque nada nela, para além da morte, é necessário. Os episódios não obedecem a nenhuma lógica e não existe fio condutor que lhes possa conferir a necessidade da sequência. Surgem insuspeitos e esgotam-se na sua brevidade. Verdade, a linguagem é vergada sob o peso da metáfora, dos antropomorfismos e há uma insistência lírica preponderante. E isto, é certo, aproxima-se mais da poesia. E depois? Um romance em prosa poética já andava a fazer falta na língua materna de Harry Potter.