O mundo plano

Ciência, política, cinema, economia, poesia... "A Romance of many dimensions"

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Fiat na Virgem e não corras




















Ora aqui está um belíssimo exemplo de como a esquerda não deve embarcar nestas discussões sobre a liberdade de expressão de ânimo leve. A coisa era previsível e os argumentos políticos são facilmente reversíveis. Os polacos sairam a terreiro a defender a sua dama, perdão, a sua virgem, porque dama é vernáculo de luso-africanos e normalmente aplica-se a quem não possui grande reputação ou quem não observa religiosamente o manual do bom comportamento e das boas maneiras.

Essa descerebrada publicação chamada Machina (talvez para lhe dar um colorido latino, derivado do latim e não do cabelo seboso e dos ademanes peganhentos tão característico dos povos do sul – isto do ponto de vista de um sueco como eu) resolveu publicar a cara da Madonna envolta no manto da virgem negra de Czeschostowa. Embora o rosto sensual e repleto de promessas de luxúria de Madonna tenha mais impacto do que o assexuado e pungente rosto da virgem polaca na pornotopia em que vivemos, têm razão os polacos por interferirem neste dissenso sobre políticas de identidade. Primeiro, como eles viram imediatamente, trata-se de uma substituição perfeitamente racista: onde dantes se encontrava o rosto moreno da única virgem que passava as férias nas Maldivas encontra-se agora o rosto níveo da estrela do pop que nos deixou, paradoxalmente, esse hino maravilhoso à xenofilia e à capacidade de aceitar o outro na sua otherness conhecido por "beautiful stranger". Segundo, onde antes assomava a virgindade plangente e beatífica da virgem negra, aparece agora a concuspiscência sem redenção da verdadeira anti-virgem do século XXI, mas que, verdade seja dita, ainda manda um pernil de fazer inveja a muita menina do Maxime. Terceiro, a indecorosa substituição - que devemos inserir no contexto das lutas anti-patriarcalismo e na gender equality das feministas – do menino jesus pela filha da anti-virgem que, a julgar pelo aspecto, devia trazer um pequeno Ganesh pendurado ao pescoço.

Pois isto incomoda qualquer pessoa que siga sem relutância os recentes desenvolvimentos no campo do identity politics. Imagino que um homem devoto como César das Neves não vá para a cama descansado e que leve o missal nas suas mãos trementes para a casa de banho pela manhã flagelando-se com as toalhas de linho por uma tal ignomínia. E o que dizer da Alexandra Tété (será a palhaço?) das mulheres pela vida, terá ela sucumbido defronte da ara ao confessar ao divino semelhante opróbrio? Suponho que sim. A subliminar verdade é que todas estas lutas conduzem ao engrossar da “multidão” que vai convergindo para o seu destino imanente: contrariar as estruturas de poder capitalistas. Por isso começam-se a cerrar fileiras e onde antes existiam campos antagónicos perfila-se agora uma união disjuntiva que envolve uma pluralidade de lutas e de reivindicações. O locus do investimento das novas lutas é a caricatura!

Fiat lux.

PS –esperamos ansiosamente que os jornais portugueses começem a publicar a capa da machina para mostrarmos a esses sevandijas dos muçulmanos o que é a liberdade de expressão!