Les français de souche!
Num artigo muito interessante que Daniel Cohen escreveu para o Le Monde encontra-se exposto o nó górdio que despoletou a violência nos banlieus franceses o ano passado. Segundo o autor é errado procurar causas culturais para os protestos, porque o que realmente se encontra subjacente é uma elevadíssima taxa de desemprego dos jovens das cités (que ronda os 40%) e a incapacidade, percepcionada como absolutamente inexorável por estes jovens, de reverter esta situação de desvantagem. Digamos, portanto, que as causas são antes de mais estruturais. Até aqui nada de novo. Muito foi dito sobre isto por diversos sectores e pelas mais diversas personalidades. O que me surge como inovador nesta abordagem é o facto de Daniel Cohen inverter o argumento segundo o qual se trata sobretudo de actos gerados por solidariedades fechadas, entrincheiradas no seu próprio mundo que se autoalimentam e reagem agressivamente ao exterior. Com efeito, na opinião de Cohen passa-se exactamente o contrário. Recorrendo à tipologia de Bruno Amable sobre os cinco tipos de capitalismo mundial, Cohen classifica a França como fazendo parte do “capitalismo mediterrânico”. Este conceito é fac simile da noção de “sociedade providência” que Boaventura aplicou à largos anos ao caso português. O que caracteriza quer uma quer outra é que ao contrário do Estado-providência escandinavo, no qual os excluídos são integrados pelo Estado, e ao contrário do capitalismo anglo-saxónico, em que se espera que seja o mercado a resolver o problema, no capitalismo mediterrânico são sobretudo as redes de solidariedade familiares que são activadas para palear a exclusão. Ora acontece que se os efeitos desestruturadores do desemprego são contidos pelas solidariedades familiares na população em geral, para os jovens dos banlieus eles são devastadores. E a razão é que estes jovens encontram-se privados da solidariedade intrafamiliar que faz com que os outros jovens não caiam numa situação de desprotecção completa. Na medida em que a segunda geração de imigrantes a viver presentemente nos banlieus é a grande perdedora na reconversão neoliberal aos mecanismos de mercado (com a perda dos trabalhos na indústria, com a deslocalização das grandes manufacturas, com a eleminação dos subsídios estatais, etc) não pode servir de suporte à terceira geração. Consequentemente, os jovens das cités estão bloqueados e não possuem os mesmos recursos sociais (redes de entreajuda familiares, por exemplo) a que os outros jovens têm acesso. Por conseguinte há uma situação de exclusão específica a estes aglomerados urbanos que combina desvantagens estruturais com falta de redes familiares de apoio; ou seja, não há lugar para a sociedade providência.
O que importa relevar nesta explicação algo esquemática é que se quisermos procurar as causas no ethos destas comunidades vamos pelo caminho errado. Muito menos na ideia de uma sublevação do radicalismo islâmico que estaria a estender os seus tentáculos ao interior das conurbações europeias. É também avisado cogitar um pouco nestas ideias para todos aqueles que se atarefam a cismar por que razão os portugueses são tão bem comportados em França e os originários do Norte de África parecem recusar a integração. Normalmente este tipo de questionamento procura respostas rapidamente assimiláveis no ethos das comunidades e assim se constrói um ranking de ethos comunitários que tem por função ideológica estigmatizar alguns grupos em relação a outros.
Vem a este propósito os trabalhos levados a cabo em Portugal, e que já foram aqui mencionados, sobre a empresarialidade imigrante. Quando se mostra, tautologicamente, que os africanos são os últimos no ranking da empresarialidade esta mensagem não pode ser encarada como fazendo parte da inocência académica da liberdade de investigação. Num mundo em que a linguagem da performance e do sucesso constitui um novo esperanto classificar grupos de acordo com os desempenhos empresariais, de acordo com o empreendorismo, rescende a um incómodo e subliminar eugenismo. Não significa que se vá recorrer a uma limpeza étnica, ninguém pretende aventar essa absurda possibilidade. Mas significa que uma tal descrição e posicionamento dos grupos tem certamente consequências na forma como se constroem os preconceitos grupais.
A experiência francesa parece não nos ter ensinado nada. Esperemos que as ilações a tirar não venham demasiado tarde. Ou estaremos nós empenhados a criar a nossa versão caseira do “português de souche”?
O que importa relevar nesta explicação algo esquemática é que se quisermos procurar as causas no ethos destas comunidades vamos pelo caminho errado. Muito menos na ideia de uma sublevação do radicalismo islâmico que estaria a estender os seus tentáculos ao interior das conurbações europeias. É também avisado cogitar um pouco nestas ideias para todos aqueles que se atarefam a cismar por que razão os portugueses são tão bem comportados em França e os originários do Norte de África parecem recusar a integração. Normalmente este tipo de questionamento procura respostas rapidamente assimiláveis no ethos das comunidades e assim se constrói um ranking de ethos comunitários que tem por função ideológica estigmatizar alguns grupos em relação a outros.
Vem a este propósito os trabalhos levados a cabo em Portugal, e que já foram aqui mencionados, sobre a empresarialidade imigrante. Quando se mostra, tautologicamente, que os africanos são os últimos no ranking da empresarialidade esta mensagem não pode ser encarada como fazendo parte da inocência académica da liberdade de investigação. Num mundo em que a linguagem da performance e do sucesso constitui um novo esperanto classificar grupos de acordo com os desempenhos empresariais, de acordo com o empreendorismo, rescende a um incómodo e subliminar eugenismo. Não significa que se vá recorrer a uma limpeza étnica, ninguém pretende aventar essa absurda possibilidade. Mas significa que uma tal descrição e posicionamento dos grupos tem certamente consequências na forma como se constroem os preconceitos grupais.
A experiência francesa parece não nos ter ensinado nada. Esperemos que as ilações a tirar não venham demasiado tarde. Ou estaremos nós empenhados a criar a nossa versão caseira do “português de souche”?
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